segunda-feira, setembro 29, 2008

substantivo feminino

o meu silêncio traz sempre ecos de estilhaços pisados com a ponta dos pés. o que quebrou não se cala e o barulho é mais cáustico quando está tudo calado. chocalha sempre em mim, vívido, no leve movimento do pestanejar. tilinta a cada novo rasgão nesse pedaço agudo, nos vidros de um olhar partido em pequenos pedaços que já não encaixam, que se atropelam e vão vazando no volante. é um queixume, sim. é a dúvida de mim, do que pertenço. do meu nada. não chego. não basto. são noites vazias e custam-me as noites vazias. custam-me que não tenham de ser vazias e que ainda assim o sejam. porque não percebo esse vácuo imposto onde se estende a mão e há apenas o vago morno de algo que já não. algo, pronome indefinido tão pessoal, como a memória de um sabor particular, talvez de infância, definitivamente de inocência. que conheço mas que não tenho. há uma parte de mim assim. da qual não consigo desembaraçar-me. a que não depende de mim. essa é a parte vazia, a parte passiva, a expectante, a incómoda, a risível. que se engana todos os dias. é um nó que nada abraça. e que por isso se sufoca sozinho.
ridícula, murmuro-me. cala baixinho a fraqueza. essa, a de se assumir que não se gosta de estar só. fecha-te. fecha os olhos para que não se veja. fecha a porta e arranca.

a minha solidão é simples. é substantivo feminino. o estado de quem está só.