quarta-feira, setembro 30, 2009

torre de marfim

a mulher cresce entre as insensatezes da vida. há chão que queria pisar. há forças que fogem da mão. o hesitante equilíbrio entre correr e ficar parado. o simples parece-lhe demasiado complicado, nada corre como nos filmes. ri-se e o amargo outra vez.
retoma-se no espelho, de gestos certos mesmo que falhados e tira o dia do rosto. investiga-se para lá da moldura dos olhos e não sabe o que encontra. há vestidos pendurados na memória do querer, num quarto paralelo, entre os frascos de creme para a solidão. vêem-se nitidamente naquele lago de açúcar queimado. não são gavetas nem imagens confinadas, são espaços imensos de luz, janelas abertas e portas escancaradas, de vento contente rodopiado pelos passos de quem nunca está só. e quase ouve o tilintar de copos na sala. já vago e gasto, o som, de tanto o pensar. recua. está demasiado longe.
já não se esforça tanto, sabe. já não pede ajuda, ironiza. convive consigo e basta-lhe que não lhe baste sem chorar. está crescida, seca, a menina.
de vez em quando dá duas passas num cigarro e fica a ver os seus desenhos crescerem nas paredes. fecham-se mais, as paredes, mais preenchidas, outra vez o estranho equilíbrio. ocupa-se nesse preenchimento como se de gente se tratasse, os amigos mudos, as suas presenças no escuro morno, afinal é para isso que ocupa o espaço, para haver espaço para quem não vem. organizadinho a boa caligrafia num caderno deixado a meio pelo desalento, onde se torna com vontade a cada nova conversa.
senta-se no vazio de madeira corrida, o outro eixo partido, o elo perdido. rasga-se-lhe um pequeno sorriso de dor, na cicatriz do costume. contempla as histórias que já não são suas, pergunta-lhes se voltam. depois lembra-se que não gosta de não ter resposta e vai-se embora com um ardor no peito. já gastou as palavras.
parada dentro de si abre a mão e agarra-se. é pequena, a mão, mas é o que se arranja. há noites de quebra, há quebrantos na noite.
passa um carro e sai porta fora dos olhos a passo acelerado.

uma respiração lá ao fundo recorda-lhe que nem tudo estagna, que há algum consolo na distância.

segunda-feira, setembro 29, 2008

substantivo feminino

o meu silêncio traz sempre ecos de estilhaços pisados com a ponta dos pés. o que quebrou não se cala e o barulho é mais cáustico quando está tudo calado. chocalha sempre em mim, vívido, no leve movimento do pestanejar. tilinta a cada novo rasgão nesse pedaço agudo, nos vidros de um olhar partido em pequenos pedaços que já não encaixam, que se atropelam e vão vazando no volante. é um queixume, sim. é a dúvida de mim, do que pertenço. do meu nada. não chego. não basto. são noites vazias e custam-me as noites vazias. custam-me que não tenham de ser vazias e que ainda assim o sejam. porque não percebo esse vácuo imposto onde se estende a mão e há apenas o vago morno de algo que já não. algo, pronome indefinido tão pessoal, como a memória de um sabor particular, talvez de infância, definitivamente de inocência. que conheço mas que não tenho. há uma parte de mim assim. da qual não consigo desembaraçar-me. a que não depende de mim. essa é a parte vazia, a parte passiva, a expectante, a incómoda, a risível. que se engana todos os dias. é um nó que nada abraça. e que por isso se sufoca sozinho.
ridícula, murmuro-me. cala baixinho a fraqueza. essa, a de se assumir que não se gosta de estar só. fecha-te. fecha os olhos para que não se veja. fecha a porta e arranca.

a minha solidão é simples. é substantivo feminino. o estado de quem está só.

quinta-feira, abril 17, 2008

cântaros

há dias que se predispõem à melancolia. hoje é Abril a cântaros, melancolia em jorros de cinzento e depois o mundo a desaparecer no negrume. o rádio raspa o ar lentamente, à procura das notas no meio da chuva.
sabes aquele aperto da solidão? quando chove não consigo senão pensar que é só o corpo a querer encolher para caber naquele espaço entre as gotas. porque deve achar que ali se respira melhor. e encharca-se de suspiros, ao tentar mirrar-se.
sabes uma terapia? jazz. um pint gelado. velas. o chão quente de madeira corrida. o abraço de uma manta ou - se quiseres - de uma voz amiga. imaginar que o tiritar das gotas nas janelas são ritmos para uma música que a chuva está à espera que inventes.

quarta-feira, abril 16, 2008

de noite está tanto escuro. chove tanto e a solidão é imensa.

terça-feira, outubro 16, 2007

desequilíbrios

De novo, tudo de novo. Ou seja, tudo uma outra vez.
Mais medo, mais muito medo. (tantos m's )
Perco o balanço, o equilíbrio é frágil e as tardes teimosas. Suo, tremo, choro um pouco. Será orgânico? Será ficção?

É tremendo - e tramado - viver num mundo em que temos de pagar para que nos ouçam. Quinta-feira, às 10h30, com desconto ADSE.

"Obrigada, bom dia e até para a semana, sim? "

segunda-feira, setembro 10, 2007

golpes

Um golpe profundo. Um golpe profundo que numa daquelas noites demasiado escuras alguém te deu. Um golpe profundo, uma pessoa, talvez uma mesa e uma cama por fazer. Um golpe profundo, duas pessoas. A golpeada e a outra, a que dá o golpe.
Um golpe cada vez mais profundo, que nunca mais sara (controverso, assim me chamo ).
Medo do escuro? Algum. Talvez muito.


Depois não digam que não avisei...

domingo, agosto 12, 2007

palavras

a solidão enche-me de palavras. deve ser isso que me desorienta os gestos. as vagas tremeluzentes que me atropelam os passos. não sei que fazer comigo nestes momentos em que me sinto trôpega e sem forças, em que parece que o meu coração se desprendeu das veias e anda à solta pelo meu corpo todo ao mesmo tempo.
apesar de ser disparate. é disparate, toda esta coisa desenfreada. nunca gostei de auto-comiseração e no entanto cá me tenho subconscientemente e descontroladamente cheia de pena de mim, de medo de mim. cheia de mim a correr-me a galope num pânico só meu que nem eu compreendo.

porque será que é a noite que mais nos assusta nestes momentos? porque será que vem a insónia e os pensamentos de céu sem estrelas? ainda o sol não se pôs e já penso no escuro que chegará. e tenho medo de ter de atravessar a noite que não acaba de olhos abertos. porque sei que isso me põe ainda mais doente.

tive uma recaída. o meu coração amachucou-se um bocadinho mais. está fechado num punho com dedos demasiado fortes para eu conseguir sequer demover uma falange. pouco falta para ser solto, de uma maneira ou de outra. mas é a espera que me adoece. enquanto aguardo, longe do abraço que ao menos me desprendia os cabelos, penso demais. não quero pensar.

já lá vai um ano desde o último medo do escuro. o escuro não voltou. mas estou na sombra.