terça-feira, agosto 22, 2006

hoje

hoje estou com medo do escuro. são 3:50 da madrugada e estou sozinha. e sei exactamente porque é que estou com medo do escuro: estou sozinha.
à minha volta todo um turbilhão de ilusões tentam enganar a minha cabeça e dizer-lhe que não tenho que ter medo do escuro. a televisão fala-me baixinho sobre indígenas de um sítio qualquer. os candeeiros estão acesos numa meia luz quente. a ventoinha ronrona, e a gata atrás de mim também. no écran do computador, desenrolam-se conversas afáveis com outros insones.
o tempo demora a passar.

[é só isso]

o tempo demora a passar.
e enquanto escorrega tão devagar

[disso não te lembras quando estás acompanhada]

vai arrastando com as suas unhas compridas pedaços do meu peito. aperta, assim, com força.
já me conheço e conheço este cenário como a palma das minhas mãos.

[frias, suadas, meio dormentes, não estão?]

sei como se processa. reconheço tudo. ainda não sei é como é que se pára isto. onde está a torneira, para se fechar? o travão, para parar?

[a pulsação está normal]

não consigo tirar os dedos da jugular.
o peso no peito, a sensação quase de levitar, de não conseguir focar o pensamento. a garganta apertada... e não me consigo distrair com nada.
só precisava de me distrair. nada serve. nada chega.

[não chegas]

sei que inevitavelmente hei-de acabar por adormecer. tento alhear-me de todos os filmes que faço com esse sono enquanto o próprio não chega. são filmes com fins ridiculamente tristes. trágicos, dramáticos.

[sempre tiveste queda para o teatro]

e sós. nesses filmes o final é sempre só. triste.
não gosto da solidão. nunca gostei. agora tenho laboratório disso. vou-me experimentando. e não me parece que esteja a passar no teste.

[entretanto respira]

não chego ao choro de outros tempos. nem aos gemidos aflitos. só este peso no peito e restantes "sintomas". não ando de um lado para o outro.

[linda menina]

eu sei que passa. que depois, eu sei, hei-de acabar por cair num sono pesado, cansado, reparador. e amanhã até tenho o que fazer e nem vou poder dormir muito... o sono não chega. nem vai chegar.

[não chegas]

2 comentários:

Anónimo disse...

Abre os olhos, acorda... não vês que a manhã chega?

Anónimo disse...

compreendo-te tão bem... melhor do que pensas.
a luz do dia está dentro de nós, e no entanto insistimos em abafá-la com o bater do nosso coração, deixamos que o estalar do soalho de madeira se transforme no maior dos nossos medos... prestes a entrar pela porta sem sequer nos dar oportunidade para gritar...
e quando tentamos materializar o nosso medo num monstro, num ladrão ou até na morte...
... não conseguimos... porque ele não existe.